"Só vou parar quando conquistar." Foi com muito estudo e, além de gosto, muito respeito pelas exatas que a cearense Marcela Lima Fernandes, de 20 anos, realizou um sonho imenso: após quatro tentativas, foi aprovada no vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), um dos mais difíceis do Brasil.
A conquista, "sonho construído desde nova", adquire uma camada a mais diante de um dado controverso: dos 180 candidatos aprovados para ingressar no ITA em 2025, apenas oito são mulheres. Três do Ceará. Uma Marcela.
A primeira versão da cearense que tentou passar no vestibular do instituto, em 2021, era adolescente. Cursava o 3º ano do ensino médio, período envolto em sonhos imensos e pressões iguais. Estudava matemática por gosto, ganhava diversas medalhas em olimpíadas científicas, valorizava as exatas "sem preconceito".
"Meus pais são matemáticos. Muito do que a gente planeja ser tem a ver com os incentivos que recebe, né? Fui estimulada a olhar pra exatas com um carinho que a gente não é incentivado, de maneira geral, na educação brasileira", reflete.
"Como sempre olhei pras exatas assim, com um olhar menos preconceituoso, o sonho do ITA foi sendo construído pouco a pouco. Me apaixonei pela instituição, pelas oportunidades que ela gera, pela rede de contatos grande que proporciona, pela excelência acadêmica. Desde os 14, 15 anos, decidi que ia estudar pra lá."
A aprovação, naquela primeira tentativa, não veio. Nem em 2022 ou 2023. Mas só existia um cenário em que o objetivo sairia da lista de desejos: quando fosse atingido. E então, em 2024, entrou em cena outra Marcela.
A segunda versão da cearense que tentava passar para o instituto, no ano passado, era adulta. Estava no terceiro ano de cursinho preparatório do Colégio Ari de Sá, que utiliza o sistema SAS Educação, período envolto em cansaços imensos – e sonhos iguais. Estudava até 12 horas por dia, mas se distanciava daquela menina de 2021 por um motivo: o cuidado consigo.
"O que me fez passar no vestibular de 2024 pra 2025 foi justamente ter um olhar mais atento pra isso. Fiz terapia, tentei me cuidar melhor, priorizei momentos de descanso quando sabia que precisava descansar, estive muito com a minha família, com meus amigos, sem deixar de dar o devido espaço ao estudo na rotina", avalia.
"Quando a gente começa a se preparar não só pro ITA, mas pra um concurso de alto desempenho, acaba negligenciando o nosso corpo, achando que se estudar mais vai sempre render mais, mas não é isso que acontece. Chega um momento de estafa e as coisas não funcionam tão bem. Em outros anos, pequei em não olhar pra mim."
Na equação para alçar voo até o ITA, então, uma variável se mostrou indispensável: o amadurecimento.
"Esse processo envolve muita resiliência, a gente amadurece muito. Você faz a prova uma vez e pensa: quando vou chegar nesse nível? E aí vai lapidando o estudo, as dificuldades, até chegar a um nível de equidade em relação à prova", pondera Marcela.
Mas nada, nenhuma maturidade ou preparação, mudaria a reação que a jovem teve quando o telefone tocou, em dezembro. "A gente já espera receber essa ligação, mas na hora a adrenalina é muito grande. É um momento único, muito especial", descreve.
"Eu tava com a minha família em casa, ligada no celular. Quando vi, apareceu a ligação do professor (informando sobre a aprovação). Já ficou todo mundo emocionado. Fiquei tremendo toda, não sabia como reagir. Foi a concretização de um sonho de muitos anos. É um momento muito, muito bonito", relembra Marcela.
Agora, já em São José dos Campos, cidade paulista que sedia o campus do ITA, a cearense carrega – junto à meta de se tornar uma engenheira de computação – uma missão e um orgulho: representar as mulheres e mostrar que "é o lugar delas, que merecem estar aqui".
"É muito especial estar nessa posição de representatividade feminina, mas também é triste ver que foram só 8 mulheres aprovadas nesse vestibular. A gente precisa incentivar mais na educação básica, mesmo. Foi onde eu fui levada a buscar esse caminho", pontua.
"Muitas meninas são desacreditadas desde o início da educação delas, ouvem que o espaço de exatas é masculinizado, só abraça homens, mas isso não é verdade. A gente tem direito de estar aqui e de lutar pelo nosso espaço nesses ambientes", sentencia a jovem.
mulheres ingressaram no ITA nos últimos cinco anos, de um total de 750 aprovados. É o equivalente a 7% dos ingressantes.
"Eu me sinto muito feliz por ter chegado até aqui. Esses anos de turma ITA criam uma casca grossa na gente, pra gente aprender a lutar e disputar esse nosso espaço dentre tantos homens. Mostrar que a gente tem lugar aqui, que consegue ocupar posições de alto desempenho, alto rendimento", frisa.
"Como mulher nessa área, é muito importante ocupar esses espaços pra que outras meninas vejam que são ocupados por mulheres, e se inspirem. Vejam que pertencem também. E pouco a pouco o sonho vai se tornando realidade."
O primeiro vestibular para ingresso de alunos no ITA Ceará ocorreu no ano passado e teve resultado divulgado em dezembro: das 180 vagas disponíveis para todo o Brasil, os cearenses conquistaram 73, o equivalente a 40% do total, média que se repete anualmente.
O edital de 2025 previu 50 novas vagas para o ITA Ceará, divididas entre os cursos de Engenharia de Energias Renováveis (25 vagas) e Engenharia de Sistemas (25 vagas), que vão estrear o uso do novo campus em 2027, após dois anos estudando em SP.
Os Cursos de Graduação em Engenharia no ITA têm duração de 5 anos. Nos dois primeiros, os alunos cumprem o Curso Fundamental, com conteúdos básicos de Engenharia; e nos três últimos, completam os Cursos Profissionais, específicos para cada especialidade de Engenharia.
As Engenharias oferecidas pelo ITA são Aeroespacial, Aeronáutica, Civil-Aeronáutica, de Computação, Eletrônica, Mecânica-Aeronáutica, Sistemas e Energia. Os alunos do Curso de Graduação recebem gratuitamente, durante todo o curso, ensino e alimentação.
Fonte: Diário do Nordeste